sábado, setembro 12

Os nós da ansiedade e das paixões*

Amarrado a mim mesmo, acordo todo dia com uma sensação de que há algum lugar que meu corpo não consegue chegar e apenas minha mente e coração poderão estar. A sensação é presente durante as 16, 20, 24 ou sejam lá quantas horas eu mantiver-me acordado. Enquanto eu não chego a alguma experiência de autosuperação e sublimação de minha alma em oposição à matéria que me constitui enquanto ser vivo, sinto uma angústia inexplicável e inexoravelmente humana.

Diante dessa dúvida diária, percebo que sempre estou diante de uma escolha a fazer: encararei a realidade como uma porção de desafios impostos a mim ou como uma série de desventuras que se apresentam à felicidade que todos nós esperamos atingir em vida? A insegurança se torna, a partir disso, uma companheira fiel. Primeiro, a insegurança vem disfarçada de travas que nos fazem questionar a respeito de nossas próprias limitações, qualidades e capacidades. Porém, não que tais questionamentos sejam, a priori e por natureza, negativos, mas parece-me que adquirem tal dimensão a partir do momento em que você se reconhece, em vida, diante de uma série de relações de poder. Com quem está o poder de fazer o dia valer, se é que isto está com alguém? Ademais, para se atingir os desejados objetivos trata-se de perceber as nuances e diferenças que cada objetivo apresenta um em relação ao outro, assim sendo, como interpretar os sinais que recebemos e o que fazer a partir deles?

Já dizia Nietzsche, o ser humano tem e é uma "vontade de potência", ele se cria, se recria, se inova e busca constantemente ser algo que ainda não é, e para quê? Não precisa e sequer tem uma razão pra isso. Há uma angústia e uma ansiedade pra se atingir aquilo em que não se sabe o que é. Como uma completa piada sem graça, um livro sem as últimas páginas que precisa se reinventar, um filme antigo em que a imagem se torna turva em virtude de algum mofo ou mancha na película original que roda no projetor. Não se chega a lugar nenhum e não se parte de nenhum outro. Busca-se uma satisfação e não sabe-se como atingi-la pois não sabe sequer o que seria tal satisfação.

Nessa roda gigante e desenfreada a qual demos o nome de "vida", encontro-me, indivíduo humano, tal como você. Miserável em minhas ansiedades e dúvidas, deparando com meus próprios medos e aspirações, abrindo minhas portas para possíveis paixões, sejam motivadas por amor ou por ódio, se transformem em amor ou em ódio, mas paixões, pelas quais sou tão responsável quanto refém. Me vejo, portanto, forte no momento em que sou o Senhor de Minhas Paixões, e fraco quando percebo-me vulnerável ao poder que estas mesmas, por mim criadas e alimentadas, podem utilizar para sucumbir-me e fazer-me render como se fossem fruto de algum destino.

Mas ainda que assim não fosse, escolhi que seja desta forma, pois se livre sou e pretendo ser, admito em mim mesmo a existência de uma necessária autorenovação e superação (voltando a Nietzsche), mas que estou ciente de que não basta atingi-la, mas é preciso que a atinja fazendo-me valer de meu empenho. Pois, como disse Schopenhauer, "... se todos os desejos fossem satisfeitos logo que despertados, como os homens ocupariam a vida, como passariam o tempo? Imaginem essa corrida transportada para uma Utopia em que tudo crescesse por sua própria vontade e os perus assados passassem de um lado para outro, onde os amantes se encontrassem sem demora e se mantivessem juntos sem dificuldades: em um lugar assim, alguns homens morreriam de tédio ou se enforcariam, alguns brigariam e matariam uns aos outros, e, portanto, criariam mais sofrimento para si mesmos do que a natureza lhes inflige assim como é."

Vítima de mim mesmo, servo de meus desejos e soldado de minhas metas. Eis este ser que vos escreve. Ansioso, roendo as unhas, estalando os dedos ou perdendo os cabelos, à espera do desconhecido e do que incita à curiosidade, à emoção da adrenalina; o tesão explosivo e a violência da paixão - porém nunca estou preso, e mesmo por isso, sou inclinado a vivenciar, experimentar e até provocar tais sentimentos.


* texto de minha autoria

2 comentários:

  1. Tantas explicações, afirmando e se auto-afirmando livre e nunca preso. Necessidade enorme de explicar o porquê de certos acontecimentos, pra vc mesmo, tudo para justificar e não sentir-se mal ou inseguro com o que sente, dizendo-se pronto para encarar O NOVO.
    Escancarando suas necessidades, vontades e ansiedades. A vida é um clico, assim como QUALQUER coisa, ela nasce, cresce, amadurece e morre. Dentro desse ciclo existe o que chama de "criar, recriar e buscar algo que ainda nao existe", e realmente não existe razão para tal, a unica razão é que a cada segundo e a cada instante TUDO se cria e recria e se renova. Nós temos em nossas mão o poder da escolha, e cabe a nós escolhermos recriar e/ou renovar algo da forma que acharmos justa. Ser livre nao significa meramente poder fazer escolhas e assumí-las até onde acharmos viável, ser livre implica uma série de fatores (dentre eles a escolha), ser livre é sentir-se bem e satisfeito com as escolhas que tomamos, com o rumo que seguimos, sem nos preocupar, sem ficarmos ansiosos e tensos, pois, se assim ficarmos, estaremos PRESOS a nós mesmos ou ainda a ALGUÉM.
    A vida pode ser SIMPLES e isso, nós escolhemos, caso tenhamos condições de bancar as consequencias de simplificar. Mas, ser livre? mesmo estando preso a tantas ansiedades, dúvidas, rancores e expectativas?
    Deixar a vida seguir seu curso pode ter vários significados e sentidos, já que a vida nos exige, não apenas sentimentos. É preciso ESCOLHER a parcela da SUA VIDA que você deixará seguir seu curso naturalmente. Podemos deixar a vida "física" seguir conforme a musica, ou a vida sentimental/mental (como preferir), seguir conforme a musica.
    Calma e sem pressa e sem ansia. Ser ansioso é uma coisa, ter ansia em viver algo, é diferente...

    Apesar de tudo, gostei muitooo do texto!

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  2. Ser livre? Em que implica a liberdade? Escolhas, renovação, satisfação, naturalidade, nada, nada disso trás liberdade...Auto-afirmação, valores, formalidades de que vale tudo isso? Um homem livre nunca tem onde se amparar, e mesmo assim é livre e pode se fazer a si mesmo, sua vida está em aberto. Ele se depara com a angústia de ser livre diante da sua própria liberdade...Finge a vida para os outros, para que não o tenham como louco, vive sua devassidão e gosta disso...Tudo acontece sem explicações ou consolos...por mais livre que seja é mais um homem arrastado pela correnteza da história...Mas diferentemente dos outro...é livre! É livre por que sabe olhar a realidade em volta...Levar uma vida de forma simples é ignorar o quão ignóbeis somos, olha em volta é carregar o peso da liberdade!
    Ótimo texto!

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