quarta-feira, novembro 21

Novo site!!

Caros amigos leitores!


É com prazer que informo que este blog não mais será atualizado. Todavia, isto não significa que parei de escrever e que não pretendo mais publicar o que escrevo, muito pelo contrário.

Na realidade, estou iniciando um novo site, melhor organizado, mais bem apresentado e que contempla melhor minhas intensões e projetos. Assim, convido a todos à leitura de meus novos contos e peço, humildemente, não só a compreensão, mas o apoio nesta nova empreitada.

Um forte abraço a todos, e sejam bem-vindos ao Peso da Liberdade.


http://brmuniz.wix.com/opesodaliberdade

terça-feira, maio 29

Marcas


O vermelho do sangue em sua calça, sua roupa rasgada, os arranhões em seus braços e rosto, seus dedos ralados, a mão inchada e um corte no lábio. Era impossível esconder as marcas da luta da última noite.

Sem poder voltar pra casa e sem ter mais para onde ir, não encontrou melhor lugar que um banheiro público atrás de um posto médico fechado há meses, abandonado. Lá passou a noite inteira. O frio era forte e os pisos e azulejos só intensificavam ainda mais o inverno rigoroso. Perdera os sapatos lutando. Os pés estavam machucados, foram pisoteados, estavam ralados e tinha hematomas nas pernas. Nunca havia pensado que teria de lutar como lutou.

Enquanto tentava relaxar a cabeça, podia ouvir sons de ratos a andar por aquele banheiro iluminado por apenas uma luz fraca e amarelada. Havia insetos de todo tipo. Baratas, pernilongos, aranhas... Sentia formigas caminharem em sua perna e não conseguia se livrar delas. Mas a noite não era tão assustadora quanto a briga que teve de topar horas antes. Briga na qual matou alguém. Nada era tão assustador quanto a certeza que esta briga perduraria por todo o resto de sua vida, como uma briga interna a fim de entender o porquê passou por tudo aquilo, a briga para tentar livrar-se de alguma "culpa".

Seu nome era Camille, mas sua vida tinha mudado para sempre. Talvez, nunca mais seria Camille, a morena de olhos castanhos brilhantes, sorriso no rosto e andar leve e suave.

A noite passava lentamente, e Camille começava a relaxar o corpo, mas tensionava a mente. As preocupações chegavam com força. Como seria a manhã seguinte? O que deveria fazer? Estaria a polícia ciente de seu crime, de seu assassinato?

O dia começava a nascer e o sol dava as caras ao fundo do horizonte, atrás dos prédios da cidade. O banheiro já não seria seu refúgio. Resolveu sair. Pisou lentamente por aquele chão molhado e sujo, e ao sair, correu para sua casa. Morava sozinha e ao chegar, sem a bolsa, percebeu estar sem as chaves. Pulou o portão e foi até os fundos da casa, onde escondia uma chave reserva da porta da cozinha. Ao entrar em casa, tudo que fez foi correr ao banheiro para um banho. Todo seu corpo doía, suas mãos chegavam a formigar e sentia o couro cabeludo repuxado e ardido. Tomou um banho demorado. Deixou a água escorrer por muito tempo antes de qualquer movimento. Deixou o calor da água massagear seu corpo e esvaziar sua mente. Chorou. Chorou. Saiu do banho, deitou-se e dormiu.

...

Algumas horas depois, a polícia encontrou o corpo de um homem, próximo ao posto de saúde abandonado. Estava sem uma parte do lábio e tinha a cabeça junto ao meio-fio. Morto de olhos abertos, cabelos presos aos dedos e os punhos cerrados. Sua calça estava aberta e suas cuecas arriadas.

- Alguém conseguiu se livrar do desgraçado - disse o cabo da PM Souza Machado.

Tratava-se de um homem procurado por três casos de estupro seguidos de homicídio. Camille seria a próxima. Ela, agora, estava em casa dormindo em sua cama. Mas não estava livre, tampouco se sentia limpa, por mais banhos que tomasse. Seus vizinhos sequer notaram sua falta à noite e ninguém percebeu sua chegada, surrada, durante a manhã. Tornar-se-ia invisível, mas decidiu abrir a boca e gritar sua história.

Ao acordar, foi à delegacia apresentar-se e prestar depoimento. A lei a condenou à prisão por homicídio. E estará marcada para sempre pela violência e pela covardia, do homem e da lei, mas terá sua consciência fortalecida e segura, ao lembrar que resistiu e defendeu a única coisa que lhe pertence e a mais ninguém: sua vida.

quarta-feira, janeiro 11

Enfim, em terra firme!

* O post de hoje é um "conto-autobiográfico" sobre o dia de hoje... o qual "terminou" tudo bem, apesar de o dia ainda não ter terminado! rs... seguem os acontecimentos... com um pouco de humor, uma pequena dose de reflexão e um certo sentimento de angústia e medo!

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Após cerca de 1h de viagem, nosso avião chegou a Caxias do Sul. "Tudo bem, então", pensei. Ledo engano. De acordo com comandante e tripulação, nenhum problema maior, todavia tornamos a remeter e lá longe, a mais de 5 mil milhas estávamos do chão novamente!

Diz a voz que se ouve ao rádio da aeronave: "Por questões de segurança, tentaremos o pouso novamente em condições mais favoráveis de vento. No momento, o vento na área da pista está superior ao permitido para a aeronave. Ressaltamos que não há motivos para que se preocupem."

Bem, como se fosse a voz de Deus, os passageiros sentiam o conforto de um "acalento-informativo" (ou seria de uma "informação-acalentadora"?).

O avião tornaria a sobrevoar a área do aeroporto de Caxias do Sul, e eis que para nossa surpresa (e desespero de muitos! rs), o dito cujo torna a subir! "Deus meu!" diziam os mais angustiados."É, isso não é legal", dizia eu pra mim mesmo... Minha leitura, deixei de lado (eu lia o velho Bukowski e seu "Misto Quente" - a qual talvez não fosse a leitura mais recomendável para fazer em plenos e amplos ares).

Ao meu lado, se preocupava (e se irritava) um passageiro, afirmando que o piloto deveria ser"marinheiro de primeira viagem". Cada qual em sua irritação ou agonia, com seus iguais buscando acalmá-los. Tudo inútil: enquanto não se está com os pés sobre o solo, tão familiar e rijo, não se está seguro, tranquilo e à vontade. O piloto afirmou-nos, então, que nos dirigiríamos a Porto Alegre, e esperaríamos a melhora nas condições (do vento) em Caxias do Sul.

Era um zunzunzum generalizado dentro do pássaro de metal e, de repente, me peguei tentando acalmar a todos. Minha mente nada-maldita produzia-me vídeos em série! Imaginei coisas. Primeiro, diante do transtorno geral, pensei"e se essa porra cair?" e, seguido disso, imagens de meus familiares, de meus amigos, de meus entes amados, queridos... Via o desenrolar do livro de minha vida ser bruscamente interrompido e já imaginava como seria minha "biografia" por parte dessas muitas pessoas com as quais divido meus melhores (e piores) momentos. Blablablá, não me preocupei a tal ponto, e tanto é verdade que olhei pela janela, em uma das muitas curvas que o avião "dobrava" e "vi", sim, eu "vi" a imagem da "morte", a tal caveira de capuz preto a planar do lado de fora! Comecei a rir com minha imaginação fértil e malévola, sozinho, e imaginei o anjo da morte pensando: "ops, vôo errado!". Estávamos a salvo.

É bem verdade também que não sou um poço de segurança e tranquilidade. É mais do que óbvio que fiquei com um medo de perder a única coisa que tenho de tão valiosa, minha simples e humilde vida (não tão simples, diria "rica" pra ser mais sincero). Se a posteridade existe, não sei, mas o que eu faria dela sem minhas emoções, sem meus queridos (exceto meus pais), sem todos que quero. Mas, vamos encarar os fatos! Enquanto todo mundo demonstra instabilidade, alguém tem de assumir o papel da calmaria e do otimismo, não? Já que pouco se pronunciava o piloto e a tripulação não transmitia muita segurança, alguém tem de apaziguar os ânimos e demonstrar uma segurança da qual não pode "provar", mas pode ao menos transmitir. Lá estava eu, sempre tão "desligado" que me parece relativamente fácil demonstrar calma em momentos difíceis... ainda bem! Ainda que eu visse meu pai tranquilo, não é justo todo este fardo sobre ele... Que dividamos as mazelas entre nossas forças individuais...

Enfim, chegamos a Porto Alegre. A ansiedade perante o pouso foi grande e ninguém tinha o olhar tranquilo nessa hora (nem eu, rs!). Qual não era a "proposta"? O avião seria reabastecido ("será que estava no osso já?", já se perguntava o povo) e decolaria novamente, rumo a Caxias, a fim de tentar o pouso novamente! Ah, não! Daí já é muita adrenalina pra uma manhã só. Entre nós, conversamos e descemos do bicho, meus pais e eu, e mais umas 6 pessoas.

Cada qual com suas micro-histórias a respeito da emoção indesejada, cada qual com suas idas ao banheiro pra mandar embora tudo que quis sair durante o vôo. A companhia aérea nos providenciou, então, uma van para Caxias do Sul e após algum tempo de espera, estamos na tal, via estrada, ainda um pouco distantes do destino final, mas mais tranquilos pois estamos, enfim, em terra firme!

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"Não estou competindo com ninguém, não tenho ilusões com a imortalidade, não estou nem aí pra ela. É a AÇÃO enquanto você está vivo. Os partidores se abrindo na luz do sol, os cavalos mergulhando na luz, todos os jóqueis, bravos e pequenos diabos em sua sela brilhante, indo fundo, fazendo acontecer. A glória é o movimento e a audácia. Que a morte se foda. É hoje e hoje e hoje. Sim."

(Charles Bukowski)

quinta-feira, julho 21

O chafariz e a chuva

Banhava-se em um dos muitos chafarizes do centro de São Paulo. Divertia-se com seus irmãos e colegas, chutando água e derrubando uns aos outros. Saía molhado e com cascões nas costas, mas o sorriso marcado no rosto, de orelha a orelha, era muito mais visível. Muitos de seus banhos eram interrompidos com a chegada de um policial parrudo que, aos gritos, os espantava de lá. A garotada toda corria, alguns escorregavam no piso do chafariz, mas ao fim, terminava a algazarra em altas gargalhadas atrás de alguma igreja.

Toda tarde, a mesma coisa. De segunda a segunda, a história se repetia. Às vezes, Neto aproveitava a noite de praça esvaziada para se esquecer na vida, e entorpecer-se mergulhado nas águas do chafariz, sem amigos, sem irmãos, e sem o policial para lhe importunar. Não entendia, aliás, onde diabos se enfiavam a molecada ao fim da tarde de quase todos os dias para aparecerem, de novo, só mesmo na manhã seguinte - quando voltavam.

“Neto!” – acordava assustado aos berros da mãe, que muitas vezes nem o chamava, apenas o empurrava ou lhe metia bofetões nos braços, nas costas e, por vezes, no rosto. Sua mãe desaparecia assim que o enxotava da coberta velha atrás da banca de jornal, na Praça da Sé, e Neto logo sabia que se não chovia, tinha de ir atrás da Catedral a fim de trocados, aproveitando-se do forte movimento de carros, desde cedo. Neto levantava em desespero e sem comer ou tomar sequer um copo de leite ia pedir dinheiro nos faróis. O medo batia se nas primeiras horas não conseguia mais de dez ou quinze reais. Já sabia que se usasse parte desse dinheiro comprando um pão com manteiga e um copo de suco, talvez ao fim do dia o dinheiro acumulado não agradaria sua mãe. Iria apanhar, na certa!

Certa tarde, encontrou a molecada no farol e eles se dispuseram a ajudá-lo, desde que Neto topasse fazer “uma fita” com eles no fim da tarde. Sem saber do que se tratava, hesitou e disse que pensaria, mas aceitou. A tarde foi longa e pouco dinheiro conseguiu, afinal, o tempo estava péssimo: frio e chuva! Era difícil aproximar-se dos carros, isso quando os motoristas abriam o vidro! “Não queriam se molhar”, pensava. Ignorava que, para os motoristas, o carro era o escudo contra a vida social – de tão ofensiva que era. Quando se deu conta, seus amigos sumiram, com todo seu dinheiro... “Uma tarde toda pra nada”. Neto já via a imagem de sua mãe raivosa, os olhos esbugalhados, os punhos fechados e o forte cheiro de cachaça. Olhou ao redor e encontrou ao fundo seus amigos, na esquina com a Avenida Liberdade. Correu ao encontro deles e quase foi atropelado por uma van! Consumido pelo desespero, não se atentou ao atravessar as seis pistas até chegar na João Mendes. Foi por pouco, mas nem percebeu. Gritava o nome dos irmãos, dos amigos, “Lucas! Zé! Piolho!” e nenhum lhe esperava, sequer olhava para trás. Enfim, os alcançou.

Sentia que todos estavam nervosos, ansiosos. A chuva começava a amansar, o ar ficou mais abafado e dos cinco garotos, apenas um não olhava ao redor. Este, que entrou sozinho em um boteco sujo ali mesmo na avenida Liberdade, e tirou de trás do shorts, por baixo da camisa canarinho, uma arma. “Onde ele arrumou isso?” pensou Neto, mas nem tempo teve de perguntar... Piolho gritava com o balconista do bar, um senhor de bigodes brancos e quase sem cabelos, e exigia todo o dinheiro do caixa. Neto não sabia o que fazer: ia embora ou ficava? De repente, um estalo seco seguido de vidros quebrando. Piolhou, nervoso, atirou em algumas garrafas e, assim, apressou o velho balconista. Submerso no temor, Neto entrou no bar, atordoado com o barulho do disparo e se aproximou de uma mesa. Os outros meninos entraram no bar, e eis que, de repente, o mesmo policial parrudo que os espantava do chafariz saiu do banheiro do bar. Saiu com a arma empunhada e apontando na direção certa: onde estavam os garotos, frente ao balconista. Piolho foi o único que não percebeu o policial e continuou aos berros com o velho. Então, num pífio momento de distração, o policial esbarrou em uma das mesas de metal do bar, Piolho virou em sua direção e sem hesitar atirou, sem precisão. O policial atirou a esmo tentando proteger-se. Tiro infeliz. Tiro certeiro. Tiro fatal.

Caiu no chão, sem reação, esbarrando na mesa, o pequeno Neto. Frágil, perdido, seu olhar. Piolho correu, o velho tremia agachado atrás do balcão. Os garotos olhavam Neto no chão. Piolho desapareceu na Avenida Liberdade por detrás da cortina de chuva. O policial chamou o resgate, que tardou a chegar. Anoitecia e o chafariz transbordava. Não foi tempo, ele não aguentou.

Essa noite, um ano se completa desde a última chuva, desde o último banho de Neto. O policial já não mais afugenta os garotos, sequer faz a ronda da região – aquele foi seu primeiro e último disparo. Ninguém mais soube de Piolho. Nunca mais choveu tanto no velho centro paulistano. E nunca mais se banharam no chafariz da praça com tanto prazer quanto Neto se banhava. Desde então, o chafariz está vazio.

quarta-feira, julho 13

Nouvelle vie dans Liberté*

Descia pela ladeira mais estreita, em uma velocidade tal que qualquer frenagem seria morte súbita. Não poderia escorar-me e não havia onde me agarrar. Era noite, tudo estava escuro. Não havia iluminação nos poucos postes da rua, apenas fios e sapatos pendurados. Todas as casas pareciam repetir-se, como num eterno Déjà Vü, segundo após segundo. O chão estava escorregadio como se houvesse garoado. O chão era de paralelepípedos e havia musgo entre cada pedra. Fazia frio, porém mal o sentia. Descia e não conseguia diminuir a velocidade, mas não me cansava, muito pelo contrário. Quanto mais eu corria, menos sentia meus pés tocarem o chão. Tudo passava a frio e indiferente para mim, e eu não via um fim naquilo tudo. Não havia ninguém no horizonte, eu não podia olhar para trás, mas observava tudo ao meu redor, sempre igual. Em uma fração de segundos, ouvi um som, senti que alguém me observava. Não podia ver este alguém, mas o sentia. Era como se estivesse correndo ao meu lado, no mesmo sentido, no mesmo passo, na mesma velocidade. Parecia que buscava me compreender, e sentia que me compreendia, como se conversássemos, como se nos conhecêssemos há muito. Aos poucos, não era apenas mais a sensação de companhia, mas um perfume levemente doce me cercava e percebi que, de repente, a ladeira antes tão íngreme, se tornava plana, minha velocidade desacelerava, a rua clareava, o frio se dissipava e o musgo do chão desaparecia. Rodeado por um calor diferente e único, voltei a sentir meus pés, e todo meu corpo novamente. Meu coração que pulsava leve ainda que rápido, passou a bater forte e lentamente. Sentia meu peito cheio de vida novamente, a paisagem da rua começou a ser alterada. A rua abria-se, tornava-se larga e o sol nascia ao fundo do horizonte, onde antes era apenas uma escuridão sem fim. Os postes se transformaram em árvores, os sapatos tornaram-se pássaros, os fios eram pequenas nuvens brancas. Aquele suave aroma tornou-se mais intenso, e eu comecei a sentir-me não apenas cercado e observado, mas sentia um leve toque em minhas mãos. Tentei segurar algo sem saber bem o que era, mas ao que fechei minha mão, este algo se esvaeceu e ao que relaxei novamente os dedos, tornei a senti-lo. Era uma pequena mão, leve, lisa, macia, suave e livre. Não estava ali para ser segura, mas para caminhar comigo, agora que eu não precisava mais correr. Leve e belo como “Art Nouveau”, passei a admirar este “desconhecido”, a este “indomável ser”. Senti que era nesta liberdade que encontraria minha paz, na liberdade de caminhar ao meu modo, mas de peito acalorado. Na liberdade de caminhar, mas não caminhar sozinho. Senti que apenas na liberdade poderia dizer e ouvir deste "alguém" que surgia, então, com a mais pura das sinceridades, "eu te amo".



* em português:
"Nova vida em Liberdade"