Libertou-se*

Sua face estremecia. Os olhos estavam secos e arregalados. Sentia uma palpitação do coração como um trem que se aproximava e vibrava o chão com o peso e o som grave. Nada lhe tirava a atenção. Falavam com ele, perguntavam-lhe sobre tudo o que acontecia. Ele não tinha olhos pra qualquer outra coisa que fosse e, por isso, não respondia a ninguém.

Os sons que ouvia entravam por um ouvido e saiam pelo outro, como se fossem mosquitos a zumbir perto de suas orelhas cobertas pelo gorro, mas não era frio. Uma sensação de azia, queimação no peito, dor nas costas, pernas travadas e mãos quentes e suadas. Como se estivesse doente, mas não estava, continua a olhar adiante. A boca estava aberta, e às vezes mordia os lábios e passava a língua neles pra poder molhá-los um pouco. Não tinha voz, apesar de ser absurdamente falante.

Já se passava quase uma hora e meia que estava assim, no sofá de sua casa, sem expressar nada, sem falar com ninguém de sua família, sequer sua namorada. Todos já haviam tomado o café da tarde com bolachas e bolo, mas ele permanecia quieto em atitudes corporais, e absurdamente inquieto na mente. Não, nada mais importava.

De repente, resolve se levantar, e apoia-se sobre os pés, agaixado em cima do sofá. Pontas dos pés no assento, seus calcanhares tocando seu traseiro, mãos em posição de reza e apontadas para frente. Com a boca, mordia a gola da camisa. Sua face era pálida, e até seus cabelos estavam bagunçados, mesmo sem que tivesse agitado a cabeça por nada. Assim ficou, por quase cinco minutos.

Então, quando todos começaram a sair da sala, um grito: "gol"!! Aos 48 minutos do segundo tempo, podia comemorar o nascimento de um filho com o gol de seu time! A agonia presente em seu peito explodia e seus maiores demônios fugiam pra fora de seu corpo!! Incontível, seu time seria campeão ao apito do juiz. Não, não havia satisfação maior no mundo. Sentia-se ali como se o mundo fosse feito de apenas três coisas: seu time, uma bola & sua felicidade.

* texto de minha autoria