"Ele vinha caminhando sozinho, nas ruas escuras da cidade sempre movimentada, mas que peculiarmente, naquela noite estava quieta. Era possível ouvir o som dos pneus dos carros que transitavam na estrada distante dali a pelo menos uns 500 metros. Chovia fino e suavemente, mas sua roupa parecia encharcada e pesada.
Estava frio, era inverno, e com suas vestes molhadas, qualquer vento cortava-lhe o peito e tornava-se difícil diferenciar o que era o frio que sentia com a dor no peito da dor que sentia fruto da incerteza. Sem olhar pra trás, ele seguia em frente, mas não conseguia parar de pensar se aquela sensação poderia tornar-se a acontecer para ele. O medo era o de descobrir com a experiência que não seria mais possível arriscar-se em uma madrugada escura e gélida de garoa em troca de uma emoção que lhe era única.
Não, enquanto não recebesse um sinal que comprovasse o inverso, não estaria tranquilo diante de um espelho. Chegou em sua casa e foi diretamente ao banheiro, tirar suas vestes molhadas e tomar um banho quente antes de dormir pelo pouco tempo de sono que lhe restava. Se olhava, olhava, mexia com a ponta dos dedos em sua sombrancelha, como quem a penteava. Não havia razão para fazer aquilo. Seus pelos estavam definindo bem como era a sombrancelha, além de que já estava prestes a deitar para dormir, após o banho. Mas ele se olhava, ligou o chuveiro a fim de que a água esquentasse o suficiente antes de entrar no banho.
Alguns minutos depois de tanto se encarar, percebeu o som da água que caía do chuveiro direto para o ralo e resolveu entrar no banho logo. Enquanto a água caía sobre sua cabeça e escorria por seu rosto, acariciando sua boca e sua barba, fechou seus olhos e lembrou-se do toque sutil que sentira naquela noite em seu rosto, por aquelas mãos pequenas, delicadas e leves. Sentia na água o sabor daqueles lábios suaves que beijara horas antes. A água estava quente e parecia abraçá-lo enquanto deslizava sobre seu corpo. Demorou, um banho muito demorado, mas que o transferiu pra outro lugar no qual desejaria estar naquele momento.
Ao abrir os olhos e perceber que estava cercado por aqueles mesmos azulejos que vira de manhã antes de sair de casa pro trabalho, deu-se conta do quão longe estava dela. Tudo o que ele percebeu é que não se sentia em casa de olhos abertos, enquanto fechava o registro do chuveiro. Não, não se sentia em casa em sua própria casa. Pois, afinal, sua casa agora não era mais um lugar, mas sim, alguém."
por Bruno Muniz
Forte! Muito bom o texto. Me passou uma sensação sutil de agonia. Daqueles momentos de desespero controlado. Vou visitar sempre seu blog, coloca mais textos assim. =)
ResponderExcluirSe o moço fizer o que eu to pensando, vai crescer pelo na mão...
ResponderExcluirRi do comentário do Rodrigo...kkkkkkk...ótimo texto, como todos os outros...
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