domingo, setembro 13

No escorrer da água*

"Ele vinha caminhando sozinho, nas ruas escuras da cidade sempre movimentada, mas que peculiarmente, naquela noite estava quieta. Era possível ouvir o som dos pneus dos carros que transitavam na estrada distante dali a pelo menos uns 500 metros. Chovia fino e suavemente, mas sua roupa parecia encharcada e pesada.

Estava frio, era inverno, e com suas vestes molhadas, qualquer vento cortava-lhe o peito e tornava-se difícil diferenciar o que era o frio que sentia com a dor no peito da dor que sentia fruto da incerteza. Sem olhar pra trás, ele seguia em frente, mas não conseguia parar de pensar se aquela sensação poderia tornar-se a acontecer para ele. O medo era o de descobrir com a experiência que não seria mais possível arriscar-se em uma madrugada escura e gélida de garoa em troca de uma emoção que lhe era única.

Não, enquanto não recebesse um sinal que comprovasse o inverso, não estaria tranquilo diante de um espelho. Chegou em sua casa e foi diretamente ao banheiro, tirar suas vestes molhadas e tomar um banho quente antes de dormir pelo pouco tempo de sono que lhe restava. Se olhava, olhava, mexia com a ponta dos dedos em sua sombrancelha, como quem a penteava. Não havia razão para fazer aquilo. Seus pelos estavam definindo bem como era a sombrancelha, além de que já estava prestes a deitar para dormir, após o banho. Mas ele se olhava, ligou o chuveiro a fim de que a água esquentasse o suficiente antes de entrar no banho.

Alguns minutos depois de tanto se encarar, percebeu o som da água que caía do chuveiro direto para o ralo e resolveu entrar no banho logo. Enquanto a água caía sobre sua cabeça e escorria por seu rosto, acariciando sua boca e sua barba, fechou seus olhos e lembrou-se do toque sutil que sentira naquela noite em seu rosto, por aquelas mãos pequenas, delicadas e leves. Sentia na água o sabor daqueles lábios suaves que beijara horas antes. A água estava quente e parecia abraçá-lo enquanto deslizava sobre seu corpo. Demorou, um banho muito demorado, mas que o transferiu pra outro lugar no qual desejaria estar naquele momento.

Ao abrir os olhos e perceber que estava cercado por aqueles mesmos azulejos que vira de manhã antes de sair de casa pro trabalho, deu-se conta do quão longe estava dela. Tudo o que ele percebeu é que não se sentia em casa de olhos abertos, enquanto fechava o registro do chuveiro. Não, não se sentia em casa em sua própria casa. Pois, afinal, sua casa agora não era mais um lugar, mas sim, alguém."


por Bruno Muniz

3 comentários:

  1. Forte! Muito bom o texto. Me passou uma sensação sutil de agonia. Daqueles momentos de desespero controlado. Vou visitar sempre seu blog, coloca mais textos assim. =)

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  2. Se o moço fizer o que eu to pensando, vai crescer pelo na mão...

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  3. Ri do comentário do Rodrigo...kkkkkkk...ótimo texto, como todos os outros...

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