sábado, setembro 12

Condenados à beleza e ao peso da Liberdade

"Dostoievski escreveu; 'Se Deus não existisse, tudo seria permitido'*. Eis o ponto de partida do existencialismo. De fato, tudo é permitido se Deus não existe, e, por conseguinte, o homem está desamparado porque não encontra nele próprio nem fora dele nada a que se agarrar. Para começar, não encontra desculpas. Com efeito, se a existência precede a essência, nada poderá jamais ser explicado por referência a uma natureza humana dada e definitiva; ou seja, não existe determinismo, o homem é livre, o homem é liberdade. Por outro tado, se Deus não existe, não encontramos, já prontos, valores ou ordens que possam legitimar a nossa conduta. Assim, não teremos nem atrás de nós, nem a nossa frente, no reino luminoso dos valores, nenhuma justificativa e nenhuma desculpa. Estamos sós, sem desculpas. É o que posso expressar dizendo que o homem está condenado a ser livre. Condenado, porque não se criou a si mesmo, e como, no entanto, é livre, uma vez que foi lançado no mundo, é responsável por tudo o que faz. O existencialismo não acredita no poder da paixão. Ele jamais admitirá que uma bela paixão é uma corrente devastadora que conduz o homem, fatalmente, a determinados atos, e que, consequentemente, é uma desculpa. Ele considera que o homem é responsável por sua paixão. O existencialista não pensará nunca, também, que o homem pode conseguir o auxílio de um sinal qualquer que o oriente no mundo, pois considera que é o próprio homem quem decifra o sinal como bem entende. Pensa, portanto, que o homem, sem apoio e sem ajuda, está condenado a inventar o homem a cada instante. Ponge escreveu, num belíssimo artigo, "O homem é o futuro do homem". É exatamente isso. Apenas, se por essas palavras se entender que o futuro está inscrito no céu, que Deus pode vê-lo, então a afirmação está errada, já que, assim, nem sequer seria um futuro. Se se entender que, qualquer que seja o homem que surja no mundo, ele tem um futuro a construir, um futuro virgem que o espera, então a expressão está correta. Porém, nesse caso, estamos desamparados."

(Jean-Paul Sartre, em "O Existencialismo é um Humanismo")


* A obra referida de Dostoievski é seu clássico "Os Irmãos Karamázovi".

2 comentários:

  1. Vale ressaltar, ainda, que a frase atraibuída a Dostoievski é uma paráfrase, ou seja, é uma síntese da ideia original presente no texto de "Os Irmãos Karamázov" (na página 109, da editora 34).
    A ideia de que "tudo será permitido" é de Dostoievski (apesar de alguns afirmarem ser de Nietzsche, o que é um ledo engano), e o "SE DEUS NÃO EXISTISSE" é o resumo da ópera que possibilita a conclusão da permissividade e possibilidade ampla de acontecimentos, ações, pensamentos e atitudes, mas enquanto um questionamento e não exatamente enquanto uma consequência lógica e objetiva.

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  2. Só uma pequena correção que para muitos seria desnecessário, mas como eu estudo o idioma Russo, as mãos coçam pra esse tipo de coisa...
    "Karamázovi" seria o correto...por ser o plural de "Karamázov", essa correção por vezes é ignorada e até retalhada inclusive por tradutores, até por que o sobrenome de cada irmão da história é "Karamázov", mais o título se encontra no plural então pela gramática Russa e até pela tradução original do Russo se "I" mesmo que incômodo aparece...E só como curiosidade, a palavra Karamázov é uma junção peculiar do substantivo "Kara", que significa castigo, punição e Mázat, que tem como significado "sujar, pintar...Seria simbólicamente, aquêle que com seu comportamento desacertado provoca punição...Até nisso Dostô foi extremamente irônico!

    Muito bom o texto! Pozdravlyam,Dorogoi!

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