segunda-feira, outubro 12

Regado a jazz*

Entre as tantas voltas dos ponteiros no relógio de parede, quando não havia mais sentido em esperar, resolveu que não ficaria mais parado vendo a madrugada se arrastar. Ainda que não pudesse fazer nada demais, caminhou pelas ruas iluminadas e cheias da cidade até chegar em seu bar de jazz favorito. Sentou-se no balcão e pediu uma dose de whiskey.

Estava pensativo, não se focava em nada, mas pensava. A cada gole, vinha-lhe um pensamento diferente. Pra onde quer que olhasse, percebia rostos sorridentes e via, nestes, não a mesma habitual apatia do dia-a-dia que o embrulhava o estômago. Não, via em cada rosto, em cada olhar uma vivacidade incomum aos seus olhos.

Envolto nos acordes das músicas que eram tocadas pelo dj, seu coração batia no ritmo suave do som que ouvia. Confortável, ainda que estivesse sozinho. Aquecido, ainda que fosse frio. Ali, percebeu-se em casa, pois deixara para trás o ar abafado e viciado que o entorpecia em sua verdadeira casa.

À medida que os minutos passavam, seu copo esvaziava. Não demorou até uma segunda, terceira, quarta dose. Acendeu um cigarro e foi até onde a banda tocaria. Como quem observa uma paisagem da natureza, observou cada instrumento e ouvia o som de cada um deles, individualmente, a tocar em sua mente. Ele conhecia cada possibilidade, ele conhecia a dança que os instrumentos comporiam. Ele dançava consigo, como se não estivesse sozinho...

A banda chegou e cada um posicionou-se e começou a tocar. Não conhecia sequer uma música, mas todas as músicas pareciam conhecê-lo. Cada nota contava uma parte de sua vida, cada palavra lhe definia. A suavidade do contrabaixo que outrora o derrubaria, desta vez, parecia oferecer a ele um abraço quente e calmo. E então o saxofone começou a soar. Do primeiro ao último sopro, um acalento em seu coração que lhe parecera vazio horas antes. Não havia motivação para sair dali. Não havia razão para desejá-lo. Tudo o que precisava estava ali. Seu cigarro, sua dose de whiskey e o jazz que lhe compreendia. Lá ficou, não voltou mais.



* Texto de minha autoria.

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